*Paulo Caldas
Como possível seria conter o caminhar inexorável do último ciclo da vida? Nesse arranjo ficcional, onde o tempo rege a partitura, Clarice Freire instrumentaliza a execução, em ritmo plural e bom tom, o cotidiano com memórias de dores e conflitos contidas neste “Para não acabar tão cedo”.
O texto revela, com absoluta intimidade, os hábitos de Augusta repetidos em comos mecânicos: abrir a janela para a vida das manhãs, umedecer flores, afagar o bichano... nesta composição, o talento da autora concede o andamento do destino de Augusta ante o espelho, que destaca o semblante rabiscado de traços distantes do agora.
À irmã protagonista, Lia, que antes exibia cabelos cacheados em fios castanhos dourados, coube, punida pelo longo viver, uma cadeira de rodas e o tornar-se cativa dos cuidados da irmã.
Com destreza, ao seguir Gustave Flaubert, autora guarda a convicção de que o cenário fala, e na composição dos ambientes, revela o perfil das protagonistas: um apartamento feito de antiguidades. Coisas adormecidas que são detalhes certificadores do dia a dia: - móveis de madeira escura, plantas, livros, pratos e cristais, xícaras, taças e inúmeras fotos em porta-retratos que não combinam entre si, além da imagem do rosto de Jesus crucificado.
A publicação traz a orelha da escritora Michelliny Verunchk, os cuidados gráficos da renomada Editora Record e concepção de capa da própria Clarice. Os exemplares estão nas livrarias de todo o Brasil, on-line em sites como a Amazon e afins.
*Paulo Caldas é escritor